A Igreja Católica e a escravidão: “O meu professor chegou na sala falando que a Igreja era a favor da escravidão e que ela considerava que os negros não tinham almas" diz aluno.

Casamento de negros (escravos) de uma casa rica
pelo pintor e historiador Jean-Baptiste Debret 

Nesse dia, 20 de novembro, o Brasil recorda um período triste da história nacional: A ESCRAVIDÃO. Sobre essa temática, trouxemos a mensagem de uma aluno que, em desespero, ver a igreja de Cristo sendo caluniada por professores marxistas em sala de aula. 

"Gui-2000" Dizia o seguinte:

“O meu professor chegou na sala falando que a Igreja era a favor da escravidão na época colonização! E que ela considerava que os negros não tinham almas, e falou ainda que tava numa bula, Dum Diversos, só que ai pesquisei, mas n achei neste site, e mostrei que n era bem aquilo, mas ai ele me disse que a Igreja na epoca tinha poder para acabar com a escravidão, contanto que na epoca nem se discutia sobre, só começou a discutir sobre o assunto no século 19! (...) Eu nem sei o que faço mais, meus professores falam coisas erradas da Igreja ao meu ver, revogo, e eu que estou errado, porque não tenho fontes históricas, alguém poderia me explicar tudo e me dar fontes históricas!” (Texto retirado site ofiel catolico.)

Sabemos que a igreja é atacado todos os dias por marxistas, professores ateus de esquerda que militam pelo o fim do cristianismo. A mensagem nos dá oportunidade de tentar esclarecer um tema tão importante e rodeado de mentiras que é a questão da igreja católica e a escravidão. 

Logo de cara, esclarecemos que a Bula Dum Diversas, publicada aos 18 de junho de 1452 pelo Papa Nicolau V e dirigida ao rei Afonso V de Portugal, dava permissão de “capturar e subjugar os sarracenos e pagãos (...) inimigos de Cristo”, e não se refere absolutamente à escravidão. “Sarracenos” (do grego sarakenoi) era o nome pelo qual eram conhecidos os muçulmanos no período medieval (os termos 'islãmico' e 'muçulmano' foram introduzidos nas línguas europeias séculos mais tarde).

    Para entender porque o papa Nicolau V emitiu essa Bula, é preciso reconhecer o contexto histórico e considerar que se tratava de um período de guerra, quando a Igreja, por exercer grande influência sobre o poder secular, entendia que deveria intervir contra a barbárie que era, então, perpetrada contra os cristãos. Tal documento foi escrito em uma época de feroz perseguição muçulmana contra a cristandade, e Constantinopla estava sob ameaça de ataque; de fato, apenas um ano depois disso os muçulmanos subjugaram os cristãos bizantinos, saqueando e pilhando por vários dias antes de dar aos sobreviventes condições para a rendição. O Papa autorizava, então, a tomada de prisioneiros de guerra e o seu encarceramento.

    Assim, a “Dum Diversas” era uma Bula para o seu tempo, necessariamente presa a um contexto e a circunstâncias bem específicas, que não nos diz respeito hoje e que de modo algum favoreceu ou fomentou a escravidão. Representa, simplesmente, uma autorização de resistência e reação contra o inimigo agressor em uma situação extrema, de guerra. Ponto.

    Estamos a tratar, aqui, de um assunto bastante complexo; porém, para desarmar de vez o seu professor marxista, que insiste em ver o europeu como eterno opressor e os africanos como eternas vítimas, é importante saber que, por um longo período histórico, o tráfico negreiro era feito por negros dentro da África.  Mais: desde muitos séculos antes da chegada dos europeus, as tribos, reinos e impérios negros africanos praticavam o escravismo em larga escala: africanos eram subjugados e vendidos pelos próprios africanos, de outras etnias, que tinham grandes mercados espalhados pelo interior do continente, abastecidos por guerras entre as tribos e com sequestros aleatórios[1].

    Posteriormente, os muçulmanos (os 'sarracenos' citados na Bula de Nicolau V) iniciaram o chamado escravismo branco, quando iam até a Europa buscar principalmente cristãos para escravizá-los, com total apoio dos líderes africanos. Tal fato é fartamente comprovado, por exemplo, na descrição do “Império de Mali” feita pelo cronista muçulmano Ibn Batuta (1307-1377), um dos maiores viajantes da Idade Média, e o depoimento de al-Hasan (1483-1554) sobre Tumbuctu, capital do império de Songai. Ademais, havia tribos africanas que praticavam sacrifícios humanos, naturalmente, de escravos. Às vezes, para interromper a chuva, mulheres escravas eram crucificadas[2]. Curiosamente, por algum motivo, nenhum desses crimes hediondos afeta a sensibilidade dos militantes esquerdistas.

    Mais do que isso, o "império mouro" (o grande império muçulmano que conquistou o norte da África, Oriente Médio e a Península Ibérica, onde hoje se localizam Portugal e Espanha, sendo que 'mouro' vem do latim 'maures', que significa negro, devido a cor da pele dos dominadores), com o seu regime de califado (apesar da resistência das regiões que voltaram rapidamente ao domínio cristão) subsistiu de 711 a 1452, o que nos leva a 741 anos de ocupação e escravidão do povo cristão, sendo que mesmo após serem expulsos, os mouros continuaram a escravizar portugueses, principalmente os que viviam na região litorânea. Mais ainda, apenas entre 1530 e 1780, época marcada pela pirataria costeira no Mediterrâneo e no Atlântico, mais de 1 milhão de europeus brancos foram escravizados por traficantes norte-africanos negros[3]. A pavorosa realidade da escravidão fez parte da História da humanidade por um longo período, sendo sempre condenável por degradar o gênero humano, mas foi praticada por todos os povos e raças em algum momento, e nunca esteve relacionada com cor de pele: brancos escravizaram brancos e negros, negros escravizaram negros e brancos. Exatamente por isso, a escravidão não pode ser usada como instrumento ideológico de espécie alguma, e menos ainda para favorecer políticas racistas, sejam brancas ou negras.

    Por não ser o tema principal deste estudo, não nos aprofundaremos mais nos assuntos apresentados até aqui. Sobre a fundamentação do que foi informado até este ponto, recomendamos a leitura do artigo do Prof. Dr. Ricardo da Costa, “A expansão árabe na África e os Impérios Negros de Gana, Mali e Songai”, que apresenta fontes seguras e farta referência bibliográfica.

Crianças escravas levadas à igreja para o Batismo, por Debret (note-se que o padre é também negro)

    O que precisamos observar muito bem é que vivemos agora em uma época conturbada e realmente insana, em que qualquer coisa afirmada levianamente ganha "aura" de verdade. Por exemplo, há alguns anos o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) disse que 60% dos congressistas brasileiros utilizavam serviços de prostitutas e que, por isso, eles gostariam de desfrutar dessa atividade em “locais mais seguros”. Para o deputado, deveríamos então regulamentar melhor a vida das prostitutas[4]. Rapidamente a notícia ganhou as manchetes dos jornais. Contudo, dias depois, Wyllys voltou atrás e –, em uma matéria muitíssimo menor, claro –, disse que baseou sua afirmação em sua “percepção da sociedade brasileira”, e que, de fato, desconhecia casos de pagamento de prostitutas por colegas[5]...

    Citamos o deputado do PSOL porque o próprio, em certa ocasião, valeu-se também de um trecho de uma mensagem do papa Bento XVI no XLVI Dia Mundial da Paz para mais uma de suas afirmações irresponsáveis: ocorre que o Papa defendera a “estrutura natural do Matrimônio” – a união entre um homem e uma mulher com o fim de constituir família – quando negou que quaisquer outras formas radicalmente diversas de união fossem igualmente consideradas, pois elas “prejudicam, desestabilizam e obscurecem a função insubstituível do casamento”. Fazer essa equiparação constituía uma “ofensa contra a verdade da pessoa humana e uma ferida grave infligida à justiça e à paz”. Parafraseando o Papa, o deputado afirmou que “ferida grave infligida à justiça e à paz foi a escravidão de negros africanos apoiada pela Igreja Católica”(!)[6]

    Novamente a mesma mentira, a mesma calúnia absurda, dita como se fosse uma verdade histórica inquestionável. E nesse caso, Jean Wyllys não está só. Desgraçadamente, essa é uma das acusações mais comuns feitas à Igreja, especialmente pela esmagadora maioria dos nossos professores do ensino médio, que são marxistas e assim transmitem a "história" de modo completamente deturpado aos nossos filhos, literalmente cativos em sala de aula. 

    Teria a Igreja, afinal, apoiado o sistema escravocrata, especialmente o ocorrido na África no período moderno (séculos XVI-XIX)? Evidentemente, não. Mais ainda, a verdade histórica é o exato contrário disso. Vamos aos fatos.

    Comecemos observando que na Bíblia há várias passagens relativas a escravos (especialmente no Antigo Testamento), e são sempre prescrições atenuantes. Por exemplo: não se deve entregar um escravo fugitivo[7], nem utilizá-lo em tarefas degradantes ou serviços desnecessários[8]; ao escravo é reservado o dia de descanso[8]: todas estas práticas não eram comuns aos povos pagãos.

    Em Eclasiástico, lemos:

“...não sejas muito exigente com as pessoas e não faças nada de injusto. Tens um só escravo? Que ele seja como tu mesmo, pois o adquiriste com sangue. Tens um só escravo? Trata-o como a um irmão, pois necessitas dele como de ti mesmo.”(Eclo 33, 29-32)

    Em resumo: a religião desde sempre buscou, ao menos, atenuar a escravidão. Essa foi basicamente a herança do mundo antigo no que diz respeito aos preceitos religiosos. Com a ascensão social e política da Igreja na Idade Média e a consequente cristianização das monarquias, a pressão a favor dos pobres, das mulheres e dos escravos tornou-se maior. Por exemplo, uma lei do século VI (por influência da Igreja) afirmava que nenhum escravo poderia ser preso caso estivesse em um Altar católico: seu senhor deveria pagar uma pesada multa caso o fizesse. Nos séculos conhecidos como Alta Idade Média (V-X) o Catolicismo que se difundiu na Europa pressionou aquelas sociedades a considerar a escravidão algo ultrajante aos seres humanos, já que, pela fé em Jesus Cristo, somos todos filhos de Deus[10].

    Apesar disso, a escravidão só lentamente diminuiu – para dar lugar, pouco a pouco, à servidão, na qual a dignidade humana estava muito acima daquela da escravidão: o escravo era visto como "uma coisa" que falava; já o servo tinha deveres e também direitos (como, por exemplo, a inalienabilidade da terra).

    Mas os homens são dificilmente civilizados, e os revezes são constantes. Mesmo com a pregação regular da Igreja, na Europa medieval a escravidão continuou tão comum que teve que ser reiteradamente condenada pela Igreja (e o foi, formalmente, nos Concílios de Koblenz, de 922; no de Londres, de 1022, no de Armagh, Irlanda, de 1171).

    No Concílio de Londres, por exemplo, foi decidido: “Que futuramente, na Inglaterra, ninguém queira entrar naquele comércio nefasto no qual estavam acostumados a vender homens como animais irracionais” (artigo 27 – veja).

    O problema era que nas antigas leis romanas, em seu código civil reorganizado nos anos 529-534 pelo imperador bizantino Justiniano I, como Corpus Iuris Civili (Conjunto do Direito Civil – veja) regulamentava a escravidão. Segundo este, embora o estado natural da Humanidade fosse a liberdade, os direitos dos povos poderiam substituir a lei natural e escravizar pessoas. Basicamente um escravo era: 1) alguém cuja mãe era escrava; 2) qualquer pessoa capturada em batalha; 3) qualquer um que se vendeu para pagar uma dívida (fato ainda comum nos primeiros séculos medievais, herança da Antiguidade).

    Com a ascensão do Cristianismo, o direito também se cristianizou. Os advogados medievais, a partir do século XI, chegaram à conclusão que a escravidão era contrária ao espírito cristão. Isso para cristãos, porque não havia como forçar os pagãos (portanto que não venham hipócritas acusar a Igreja de legislar para não cristãos). Em contrapartida, por exemplo, o Islã difundia largamente a escravidão. Vejamos isso com mais pormenor, iniciando por uma citação do reconhecido historiador Fernand Braudel (1902-1985):

“O tráfico negreiro não foi uma invenção diabólica da Europa. Foi o Islã –, desde muito cedo em contato com a África Negra através dos países situados entre Níger e Darfur e de seus centros mercantis da África Oriental –, o primeiro a praticar em grande escala o tráfico negreiro (...). O comércio de homens foi um fato geral e conhecido de todas as humanidades primitivas. O Islã, civilização escravista por excelência, não inventou, tampouco, a escravidão nem o comércio de escravos.”

Enquanto isso a Igreja Católica, reiteradamente, condenava a escravidão. Há inúmeras bulas papais a respeito: na Sicut Dudum (1435), Eugênio IV (1383-1447) manda libertar os escravos das ilhas Canárias; em 1462, Pio II (1405-1464) instrui os bispos a pregarem contra o tratamento de escravos negros etíopes e condena a escravidão como um “crime tremendo”; Paulo III (1468-1549), na bula Sublimus Dei (1537) recorda aos cristãos que os índios são livres por natureza; em 1571 o dominicano Tomás de Mercado (1525-1575) declarou desumana e ilícita a escravidão; Gregório XIV, na bula Cum Sicuti (1591) e Urbano VIII na Commissum nobis (1639), também condenaram formalmente a escravidão[12].

    Paramos no século XVII. Há muito, muito mais provas de que a Igreja sempre se posicionou contra a escravidão e que evidenciam a atitude caluniosa e criminosa dos que afirmam o contrário[13].

    Qual "o resumo da ópera"? Simples: os que querem conhecer a verdade devem estudar o passado nos documentos, não acreditar em quem o reinventa para que confirme sua ideologia de estimação.

Lista de fatos e documentos oficiais da Igreja Católica Apostólica Romana contra a escravidão

a) Aos 13 de janeiro de 1435, a Bula Sicut Dudum, do papa Eugénio IV, manda restituir à liberdade os cativos das ilhas Canárias.

b) Aos 7 de setembro de 1462, o papa Pio II (1458-1464) dá instruções aos bispos contra os tratamentos dos negros proveniente da Etiópia condenando formalmente o comércio de escravos como “magnum scelus” (grande crime) [14].

c) Em 1537, o papa Paulo III (1534-1549), através da Bula Sublimus Dei (23 de maio) e da encíclica Veritas Ipsa (9 de junho), adverte aos cristãos que os índios “das partes ocidentais, e os do meio-dia, e demais gentes”, são “livres por natureza”.

d) Em 1571, Tomás de Mercado, teólogo de Sevilha, com aprovação eclesiástica declara desumana e ilícita a traficância de escravos. Em sua Summa de Tratos y contratos, afirma não haver justificativa para negócio tão infame.

e) Em 1591, o papa Gregório XIV (1590-1591) publica a Bula Cum Sicuti (1591, op. cit.) condenando formalmente a escravidão.

f) Em 1639, o papa Urbano VIII (1623-1644), também se pronuncia contra a escravidão na Bula Commissum Nobis (op. cit.).

g) O papa Bento XIV (1740-1758) na Bula Immensa Pastorum escreve: “...recebemos certas notícias não sem gravíssima tristeza de nosso ânimo paterno, depois de tantos conselhos dados pelos mesmos Romanos Pontífices, nossos Predecessores, depois de Constituições publicadas prescrevendo que aos infiéis do melhor modo possível dever-se-ia prestar trabalho, auxílio, amparo; não descarregar injúrias, não flagelos, não ligames; não escravidão, não morte violenta, sob gravíssimas penas e censuras eclesiásticas...”

h) Em 1839, o papa Gregório XVI (1831-1846) publica a Bula In Supremo, por meio da qual condena a escravidão da seguinte forma: “Que os fiéis se abstenham do desumano tráfico de negros ou de quaisquer outros homens”.

i) Em 1888, o Papa Leão XIII, na Encíclica In Plurimis, dirigida aos bispos do Brasil, pede-lhes apoio ao Imperador (Dom Pedro II) e à sua filha (Princesa Isabel), na luta que estavam a travar pela abolição definitiva da escravidão.

j) Fato histórico: houve três Papas africanos na história da Igreja: Vencedor ou Victor, Gelasius e Melquiades ou Miltíades.

k) Fato histórico 2: há uma grande quantidade de santos negros, canonizados pela Igreja Católica, inclusive escravos ou ex-escravos como São Benedito, Santa Bakhita, a Beata Nhá Chica, o Beato Pe. Francisco de Paula Victor e outros.

    Apenas os dois simples fatos históricos citados por último são suficientes para derrubar por completo a teoria de que a Igreja tenha, em algum momento, assumido ou compactuado com posições racistas contrárias às pessoas negras.

“A igualdade entre os homens diz respeito essencialmente à sua dignidade pessoal e aos direitos que daí decorrem. Qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa, seja social ou cultural, ou que se fundamente no sexo, na raça, na cor, na condição social, na língua ou na religião deve ser superada e eliminada, porque é contrária ao plano de Deus.”(CIC §1935)

 

Fontes: O fiel católico, Pe. Paulo Ricardo, Dom Bosco

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